sábado, 27 de junho de 2015

"Por favor, cativa-me!"

"...Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços".
- Criar laços?
Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto
inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não
tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil
outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para
mim o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves
esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa..."
(O Pequeno Príncipe - Antoine de Saint Exupéry)

          À luz deste diálogo, te convido a pensarmos um pouco mais sobre as relações. Nesse sentido é praticamente impossível não fazer uma relação do pedido feito pela raposa:"Por favor, cativa-me!", com o que vemos manifesto em nossas ações, falas, expressões e atitudes e de boa parte das pessoas com as quais convivemos. É como se o amor gritasse, mesmo sufocado por tantas outras coisas num constante e diverso grito de "SOCORRO".  
Cativar... realmente uma coisa esquecida atualmente, uma palavra que praticamente caiu em desuso. Nesses tempos em que "ter" vale mais que "ser", temos nos empenhado em conquistar, obter, pela simples necessidade de "ter que ter". Esquecemos das pequenas conquistas, dos detalhes que cativam, que não somente criam laços, mas os tornam consistentes. Um olhar, um sorriso, uma palavra, o silêncio de uma escuta sincera, a preocupação e o cuidado despretensiosos, são as alegrias de "ter por ser".
  
   O hedonismo disseminado em nossa sociedade contradiz a construção de relacionamentos (independente do tipo) confiáveis e duradouros, pois a busca pela obtenção de prazer como último fim beneficia apenas um lado, transformando os relacionamentos em "negociações físicas e emocionais", onde um lado sempre vai sair em desvantagem. O outro passa a ser objeto de interesse, que perde sua utilidade tão logo apareça outro "objeto mais interessante" e a partir desta lógica vamos construindo relações fadadas à ruína.
Cativar é dar vez ao milagre do outro em nossa história e confiar ao outro o nosso "sagrado", o que temos de melhor e pior, é uma via de reciprocidade e obviamente não acontece num piscar de olhos; demanda tempo, trabalho, esforço, sinceridade, abnegação, entre tantas outras coisas. Sem dúvidas é algo imprescindível para o amadurecimento pessoal e fortalecimento das relações como um todo. Reclamamos da superficialidade das pessoas e das relações, mas até que ponto estamos dispostos a cativar e nos deixar cativar, até onde queremos nos responsabilizar?

   "... Tu te tornas ETERNAMENTE RESPONSÁVEL por aquilo que cativas", uma consequência um tanto quanto pesada, uma responsabilidade imputada àqueles que se dispõe a cativar e/ou se deixam cativar.
Como ser eternamente responsável se não somos eternos? 
A lição da raposa é proporcionalmente linda, simples e sutil!
Vivendo sinceramente a experiência de cativar, o sentimento de responsabilidade para com o outro surge naturalmente, reflexo de um ato de amor, de um "querer bem", de uma atenção recíproca e o ETERNO, por sua vez, não se dá pelo tempo que ficamos próximos, mas pelo significado que atribuímos, pela verdade que expressamos e pela coragem de cativar continuamente.

Higor Pontes

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